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Muitos de nós, sabemos que a vida é repleta de ocorrências inusitadas e que nos fazem ficar boquiabertos com tantos acontecimentos. No meu caso, estou passando por muitos acontecimentos incríveis, minha vida deu um grande salto em pouquíssimo tempo!
Quando todos os fatos vêm à tona e algo se depara com o horror, tudo ao redor pode ser pior se apenas imaginar um jardim repleto de rosas. A vida é sim um mar de rosas, mas o que importa é lembrar que as rosas possuem espinhos.
Quando eu menos esperava, um telefone me acorda em plena madrugada. Atendi com a voz enjoada de sono e meu amigo sem nem deixar eu terminar de falar, recitou:
- Hoje eu sonhei que ela voltava
E vinha muito mais que linda
À meia luz me acordava
Cheirando a flor de tangerina
Eu lhe amava e mergulhava
No seu olhar de azul piscina
E docemente me afogava
Em suas águas cristalinas
Atordoado pelos versos rápidos que necessitavam de uma interpretação acelerada, fiquei tentando decorá-los antes que o meu colega desligasse. Mal terminou o último verso, desligou o telefone sem dizer “adeus”. Peguei qualquer coisa que escrevesse da mesa de cabeceira e anotei tortuosamente cada palavra que me vinha na cabeça. A ordem não ficou correta na primeira escrita, mas li novamente antes de dormir. E dormi.
Algo de sublime ocorrera naquele sonho. Talvez seja a letra que despertara em meu subconsciente uma volta no tempo e restituíra de vez a imagem de Coralina.
Portanto naquele dia eu sonhei que ela voltava.
Coralina, linda e linda, infinda e ainda menina (mas em meu sonho já era mulher), sempre cresceu comigo na pacata cidade em que morávamos. Ao amanhecer enamorávamos, com os poucos 6 anos, através de olhares e sorrisos. Não era a criatura mais bela do mundo. Só a do meu mundo.
Assim, Coralina vinha muito mais que linda.
Nos fins das tardes, brincávamos: corríamos até o olho d’água, atrás das cabrinhas recém nascidas, levávamos nossas pequeninas cabaças para beber leite de nossa vaquinha e quando parávamos para descansar, ela fingia que dormia. Eu a esperava dormir para descansar. Finalmente eu cochilava.
No belo crepúsculo que surgia no alto da pedra, à meia luz me acordava.
Abria os olhos lentamente e sempre a via frente-a-frente, quase um lábio-lábio e percebia sempre que seus cabelos molhados denunciavam o atrevimento de banhar-se no olho d’água. Enxugava-se com as folhas das árvores.
Acordava-me assim: cheirando a flor de tangerina.
Queria beber daquela água que escorria vagarosamente pelo corpo de Coralina. A inocência de criança era quebrada nesses momentos em todas as tardes. Fitava os seus claros olhos, meio achinesados.
Eu lhe amava e mergulhava no seu olhar de azul piscina.
E sempre, de despedida, beijava a sua boca. Demoradamente, gostava de sentir seus lábios como se fosse o último beijo de nossas vidas. Amava as suas leves mordidinhas. Fazia questão de sugar cada gota de água de riacho que molhava os lábios de Coralina.
Foi então que percebi que docemente me afogava em suas águas cristalinas.
Éramos duas crianças...
Acordei atônito e com uma série de déjà vus. Que canção era aquela que biografava minha vida com Coralina? Por que as palavras mexem conosco sem avisar nada?
Liguei para o meu amigo. Ele não me atendeu até hoje.
A música deve ser o silêncio confidencial das palavras...
Faryas y Albuqueruqe
Dizem que a vida é gostosa de se viver.
Quem disse isso nunca viveu a vida desgostosa de Maria Desaparecida.
Maria Desaparecida apareceu na vida há mais de cinquenta anos. Talvez fosse melhor um aborto. Ou uma doença durante a gravidez de sua mãe, uma das mais belas prostitutas daquela cidade. Mas ela nasceu. Nasceu magra, muito magra. Esquelética. A dieta de sua mãe era farinha com palma. De vez em quando algum de seus clientes, provavelmente o pai de Maria Desaparecida, deixava à porta de casa de Maria Madalena um pacote de arroz e poucos pedaços de carne seca.
E Desaparecida ia vivendo.
Com poucos anos, a fina Maria foi acometida de várias doenças. Viroses, vermes, desnutrição, tosses, febre, catarros mais verdes que as folhas de um cacto que bebe a pouca água da chuva que Deus manda ao sertão. E ia vivendo.
Ajudava a mãe durante as melhoras entre as doenças. Fazia limpeza da casa, cuidava das costuras, dos irmãos, cozinhava e à noite não dormia. Sua mãe tinha que trabalhar, e o quarto era o local de trabalho. Maria Desaparecida via e ouvia tudo.
Passavam-se os anos. As doenças iam e vinham. A mãe morrera com sífilis. E Maria ficara em seu lugar no prostíbulo. Vários clientes não tinham pena de sua mocidade e inocência. Seu primeiro cliente a fez beber até desmaiar, quando a estuprou. Isso não aconteceu apenas uma vez.
Teve o seu primeiro amor: Inocêncio. Conheceu-o no cabaré. Estava lá por pressão. Seu tio o levara para perder a sua virgindade e dizer a todos que era homem. Viu Maria Desaparecida e se apaixonou por ela. Apenas se apaixonou. Tiveram a sua noite amor e decidiram se casar. Casaram-se e viveram cerca de cinco meses. O tio de Inocêncio tinha razão: ele era homossexual.
Ainda assim, conta a vontade sexual de Inocêncio, sua aversão a mulheres, Desaparecida estava grávida. Ficou feliz e triste ao mesmo tempo. Não queria que seu filho passasse pelo que ela passou até aquele momento. Feliz porque ia ser mãe. Lembrava de sua mãe naquele momento. A gravidez foi pior que esperava. Comida mais escassa, ninguém para ajudar. Pedia esmola, roubava quando em vez. O menino nasceu. Ela o matou.
Maria Desaparecida ia envelhecendo só. Vivia na casa de um e outro. Foi para um asilo. Morreu doente, sem ninguém para dizer um “eu te amo”.
Existem muitos males em nossa vida. Dizem também que o maior mal é a própria vida. Quantas histórias de sofrimento nos já escutamos? Quantas pessoas já sofreram o que Desaparecida sofreu? Creio que nós somos egoístas. Não damos valor ao próximo. Ajudamos alguém?
Lendo “O Circo dos Horrores”, de Brysa Calado, vi que a sociedade é antissocial. Como acabar isso? Educação. Apenas a educação nos leva a uma racionalidade favorável a todos.
Reflitamos em nós mesmos. Amemos mais os outros.
Novaes de Guerra
Inglaterra, século XIX. A manhã gélida e cinza, lembrando o semblante de Atena, desperta uma sensação de medo em todas as pessoas que passam pelas vielas ainda mal iluminadas de Londres. Cada esquina possui uma poste aceso, mas que de nada adianta. A nuvem que se forma a dois palmos do chão é intensa e conhecer alguém significa encostar narizes ou bater cabeças. Apesar do medo, Londres fica belíssima por causa da brisa, sensual e cheia de suspense.
Dentro de seu quarto minúsculo, a menina francesa – alva e inocente – sofria desesperadamente pelo seu grande amor que partira, talvez definitivamente. Chorava incessantemente, agoniantemente e friamente. Cada lágrima que caía fazia parte de um teatro íntimo, particular, ímpar, singular, que ninguém poderia compreender. Tudo que a menina queria naquele momento era o seu amor, que ela matou.
O ódio instalado no coração – que alguns afirmam ser apenas um órgão (ou objeto?) com função idêntica de uma bomba de encher pneu – de alguém é algo incompreensível. Odeia-se alguém e ama-se ao mesmo tempo. É possível? Sim, é possível. Acontece até hoje. Talvez até Deus sinta essa contradição sentimental. Um amigo meu certa vez disse :
‘‘Falas de amor, eu ouço tudo e calo.
O amor da humanidade é uma mentira.
É. E por isso que em minha lira,
De amores fúteis poucas vezes falo’’
Interessante a verdade do amor que se transforma em ódio...
A menina sorria deliciosamente, pensando em seu amor que não voltaria mais e que o encontraria daqui a algum tempo, no céu ou no inferno. Toda a parede era marcada pelo nome de seu amor, com tinta com de sangue. E era o seu sangue mesmo. Toda essa agonia existente na mente (ou no coração?) da menina passaria se ela permitisse ver a vida da frente, aquela que ainda vem para nós.
Por exemplo, eu. Nunca vivi grandes amores. Quando vivi, eram sinceros. Morro pelos meus amores, pois são meus. Mas não posso deixar de viver e de ver o que ainda minha vida abre para mim. Mas a menina parece não querer ver.
Chega uma carta.
Letras turvas, 100% turvas. A menina lê. Entende e percebe que a letra turva deixa de ser totalmente turva. Comprendeu a explicação da carta. Sorriu. Chorou também. Assinava a sua paixão. Como se estava morta? O amor não morre; apenas, descansa.
Deixem o amor descansar, mas não o perca de vista. Ele volta mais forte, mais saudável.
Tenham vários amores.
Faryas y Albuquerque