Dizem que a vida é gostosa de se viver.
Quem disse isso nunca viveu a vida desgostosa de Maria Desaparecida.
Maria Desaparecida apareceu na vida há mais de cinquenta anos. Talvez fosse melhor um aborto. Ou uma doença durante a gravidez de sua mãe, uma das mais belas prostitutas daquela cidade. Mas ela nasceu. Nasceu magra, muito magra. Esquelética. A dieta de sua mãe era farinha com palma. De vez em quando algum de seus clientes, provavelmente o pai de Maria Desaparecida, deixava à porta de casa de Maria Madalena um pacote de arroz e poucos pedaços de carne seca.
E Desaparecida ia vivendo.
Com poucos anos, a fina Maria foi acometida de várias doenças. Viroses, vermes, desnutrição, tosses, febre, catarros mais verdes que as folhas de um cacto que bebe a pouca água da chuva que Deus manda ao sertão. E ia vivendo.
Ajudava a mãe durante as melhoras entre as doenças. Fazia limpeza da casa, cuidava das costuras, dos irmãos, cozinhava e à noite não dormia. Sua mãe tinha que trabalhar, e o quarto era o local de trabalho. Maria Desaparecida via e ouvia tudo.
Passavam-se os anos. As doenças iam e vinham. A mãe morrera com sífilis. E Maria ficara em seu lugar no prostíbulo. Vários clientes não tinham pena de sua mocidade e inocência. Seu primeiro cliente a fez beber até desmaiar, quando a estuprou. Isso não aconteceu apenas uma vez.
Teve o seu primeiro amor: Inocêncio. Conheceu-o no cabaré. Estava lá por pressão. Seu tio o levara para perder a sua virgindade e dizer a todos que era homem. Viu Maria Desaparecida e se apaixonou por ela. Apenas se apaixonou. Tiveram a sua noite amor e decidiram se casar. Casaram-se e viveram cerca de cinco meses. O tio de Inocêncio tinha razão: ele era homossexual.
Ainda assim, conta a vontade sexual de Inocêncio, sua aversão a mulheres, Desaparecida estava grávida. Ficou feliz e triste ao mesmo tempo. Não queria que seu filho passasse pelo que ela passou até aquele momento. Feliz porque ia ser mãe. Lembrava de sua mãe naquele momento. A gravidez foi pior que esperava. Comida mais escassa, ninguém para ajudar. Pedia esmola, roubava quando em vez. O menino nasceu. Ela o matou.
Maria Desaparecida ia envelhecendo só. Vivia na casa de um e outro. Foi para um asilo. Morreu doente, sem ninguém para dizer um “eu te amo”.
Existem muitos males em nossa vida. Dizem também que o maior mal é a própria vida. Quantas histórias de sofrimento nos já escutamos? Quantas pessoas já sofreram o que Desaparecida sofreu? Creio que nós somos egoístas. Não damos valor ao próximo. Ajudamos alguém?
Lendo “O Circo dos Horrores”, de Brysa Calado, vi que a sociedade é antissocial. Como acabar isso? Educação. Apenas a educação nos leva a uma racionalidade favorável a todos.
Reflitamos em nós mesmos. Amemos mais os outros.
Novaes de Guerra
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